No final da newsletter, um poema de Elizabeth Bishop sobre a arte de perder.
Uma vez, um professor meu de artes cênicas me disse: “Pra você alcançar o que deseja, precisa morrer um pouco todo dia". Ele falava de como, em cena, era preciso que eu me descolasse de quem eu era para encontrar cada personagem. Principalmente, eu deveria deixar de lado as minhas críticas, pois aquela personagem não era eu. Ela não tinha obrigação alguma de agir como eu achava certo. Se eu quisesse construir algo novo, eu deveria estar aberta a, primeiramente, aceitar aquilo que é, para depois passar ao que poderia vir a ser.
Eu nunca esqueci isso. Inclusive, penso nisso constantemente, sempre que tenho resistência à mudança. Ou seja, eu identifico o que e como eu sou hoje (sem autodepreciação) e vejo se preciso ou desejo mudar algo, e o quê. Neste momento em que as bolhas se afirmam tanto nas redes sociais, penso: e se eu fizesse o caminho inverso? E se eu me propusesse a perder mais? E se não for bem assim? Os últimos quatro anos – pelo menos – foram de perdas significativas para mim; felizmente não tão drásticas, mas, ainda assim, significativas. Daquelas que testam força e constroem caráter – o básico da vida adulta. Percebi que, forçosamente, eu morria um pouco todo dia, literalmente, inclusive, mas também por dentro, e encarar isso, pasme, não tem sido ruim. Inclusive, é entender isso que sempre me alivia.
Talvez você já tenha lido ou ouvido a premissa da filosofia de Heráclito: Tudo flui (aqui estou falando de mudança de estado de uma coisa para outra, não de esoterismo). Talvez já tenha ouvido também sua famosa frase, “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio.” Não conhece? Aqui está:
Isso quer dizer: perde-se ganhando, e vice-versa, inclusive – e especialmente – na tensão. Quando você tá achando que o negócio está desesperador, é aí que você começa a ganhar. E por quê? Porque é nesse momento que você fala: “Não dá mais, preciso mudar!” Assim como uma árvore perde suas folhas e se renova, nós vamos perdendo coisas pelo caminho ao mesmo tempo que nos refazemos. E entender que nós sempre nos refazemos é primordial para não pararmos. Quantos amigos, amores, pessoas vivas ou mortas, casas, coisas, tempo, dinheiro, cabelo, pele, dentes nós já perdemos ao longo da vida, e aqui estamos? Quantos mais iremos perder e ainda estaremos? A malemolência, a arte está em saber perder. E em saber se refazer.
E por isso eu acho válido perder sempre um pouco dos achismos, do que eu já sei, do que eu acho que sei, de quem eu fui 10 minutos ou 10 anos atrás, e até de quem eu tenho potencial para me tornar, porque muitas vezes a gente se encontra quando está num caminho para outro lugar. É tão bom ter esses momentos de surpresa, também. Que tal se permitir morrer um pouquinho voluntariamente todo dia? Você pode, tanto de dentro para fora, quanto de fora para dentro, tanto faz. Acho até uma imagem bonita de se pensar. Muita gente ama a ideia da fênix mas tem medo de ser uma, especialmente na parte em que ela se esfarela em cinzas. Um brinde à boa morte!
Beijones!
🖋 Um poema de Elizabeth Bishop sobre a arte de perder
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