Tenho medo da gente conversar demais e você me conhecer muito, a ponto de perder a admiração pelas coisas que eu escrevo e pela imagem que tem de mim.
Vira e mexe me pego pensando numa menina que conheci. Passa o tempo, daí quando estou muito na minha, do nada, penso, “Gente, mas e fulana, hein?”. Algumas atitudes são tão cagadas que ficam grudadas por um bom tempo no nosso hipocampo. Foi breve, cerca de uns três meses de contato amigável e uma certa admiração mútua. Ela era bastante especial na escrita, sabia te cativar e prender no enredo, realmente talentosa. Jovem, bonita, rosto angelical, voz mansa e cadenciada, tinha um jeito com as palavras e dizia coisas que as pessoas queriam ouvir.
Mesmo por pouco tempo, pessoas envolventes conseguem deixar sua marca, para bem ou para mal. Ao mesmo tempo que encantam e te fazem se sentir único, visto, especial, são capazes de causar estragos na vida das pessoas de maneira quase que irreversível, porque parece inconcebível que alguém tão incrível, que fale e faça as coisas certas revele uma skin tão escrota.
Todos à volta tentam justificar as atitudes quando são pegos de surpresa: o pai isso, a infância aquilo, a rejeição, a família, o ambiente, nova demais, velha demais, se deixou levar, entendeu errado, pediu desculpas… Afinal, um talento, uma mente dessas, de forma alguma pode estar associada ao mau-caratismo em sua forma mais bruta. Só que pode. Só que, por vezes, e não poucas, está. Pessoas brilhantes podem ser brilhantemente perversas, e não há, necessariamente, justificativa aceitável para passar esse pano; somos todos adultos, ora.
O mais interessante, é que a surpresa não é tão surpreendente assim. Normalmente a red flag está muito lá, assim como a idealização. Uma vez envolvidos pela mente do ser especial, qualquer coisa negativa dita por ele, mesmo que constantemente reafirmada, é imediatamente posta de lado pela ideia que fazemos de uma pessoa irretocável, sobre-humana, até. A frase em destaque no primeiro parágrafo deste texto foi dita a mim por essa mesma menina. Vai dizer que ela não avisou? Felizmente, acreditei — o que não quer dizer que deixe de me causar assombro —, mas outras pessoas a subestimaram e até hoje colhem os frutos podres disso. Como disse Maya Angelou, “Quando alguém te mostra quem é, acredite na primeira vez”.
Nesta semana, a Vulture fez uma coberturaça do caso Neil Gaiman (entre tantos outros, onde se descobre que gente brilhante finalmente falha em conter sua parte mais terrivelmente humana, e se revela) me fazendo refletir, mais uma vez, sobre o mal em “gente boa”, especialmente nas que são referência de qualquer coisa. Ele existe e está lá, latente, à espreita, e um dia pode despertar. Pessoas boas podem, também, ser ruins. Pessoas ruins podem ser excepcionais no que fazem. Pessoas que amamos, confiamos, bendizemos e idolatramos podem fazer o que disseram que nunca fariam; podem agir de má-fé sabendo que vão te ferir, cientes do tamanho do estrago que vão causar. Pessoas incríveis são capazes de coisas desprezíveis, mas pessoas criminosas devem ser punidas. No entanto, no nosso microuniverso, vai ser trabalho nosso, só nosso, lidar com a frustração e a tristeza que é ver todo um castelo de sonhos desmoronar.
Gente muito talentosa, com plena noção de sua capacidade, não para, não duvida, têm um mecanismo de sobrevivência em alerta que se adapta, um fogo pela vida. Entende que conseguir o que quer é questão de tempo. Talvez aí resida a chama que nos atrai, como insetos para a luz. Essa gente não se detém diante do mal que causa, pelo contrário, passa por cima de você sem olhar para trás, você que não ouse se meter no caminho dela; “Eu avisei, mas você quis ficar, você não acreditou”. Deu certo uma, duas, dez vezes, então dará mais vinte, trinta.
Não se admire se qualquer dia desses você descobrir que a vida de um manipulador deu muito certo, tão certo a ponto de ele ocupar um cargo de destaque e ter uma vida fantástica, enquanto você continua tentando fazer com que a sua ferida se mantenha fechada. A vida não é tão justa como gostamos de pensar, e o “carma” me parece algo bem relativo. Gente ruim também se dá bem, e a única coisa capaz de parar uma mente dessas é o impedimento físico, nada mais (e olhe lá!).
Ao cultivar seus ídolos, ao criar personalidades perfeitas para pessoas imperfeitas, lembre-se: para o ser humano fazer bom uso da desfaçatez e da maldade basta um estímulo.
e fulana, hein? será que leu isso aqui? tá no meio de nós? a curiosidade de toda uma galera ludibriada pelo caráter maldosinho fantasiado de traumas familiares. tadinha da psicopata! hahaha